quinta-feira, 14 de maio de 2009



Em Portugal não há religião de nenhuma espécie. Até a sua falsa sombra, que é a hipocrisia, desapareceu. Ficou o materialismo estúpido, alvar, ignorante, devasso e desfaçado, a fazer gala de sua hedionda nudez cínica no meio das ruínas profanadas de tudo o que elevava o espírito... Uma nação grande ainda poderá ir vivendo e esperar por melhor tempo, apesar desta paralisia que lhe pasma a vida da alma na mais nobre parte do seu corpo. Mas uma nação pequena, é impossível; há-de morrer. Mais dez anos de barões e de regímen da matéria, e infalivelmente nos foge deste corpo agonizante de Portugal o derradeiro suspiro do espirito. Creio isto firmemente.

Almeida Garrett, 1846
Viagens na Minha Terra, Cap. XLII

quinta-feira, 8 de maio de 2008


...
UM. Já lhe disse: para esta noite está arrumado. Francamente, você imagina a cara dos meus vizinhos amanhã de manhã, trocistas… E esta… interessante a reportagem sobre o seu suicídio de ontem à noite… à parte isso… como vai de saúde? Eu quero mesmo morrer, mas não de ridículo.

DOIS. Isso de morrer de ridículo… é ridículo! Como é quer que eu faça uma reportagem sobre um tipo que morre de ridículo… aceita-se quem morra de riso, de fome, ou mesmo de vergonha ou de tédio… mas de ridículo, não é muito fotogénico.
...
Guy Foissy, No Parapeito da Ponte

domingo, 23 de março de 2008


...
A primeira coisa que desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunsância ainda o faz maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande.
...
P.e António Vieira, Sermão de Sto António aos Peixes

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008



Junto aos núcleos arqueológicos da Ponta do Verde e do Recanto do Verde em Tróia, encontrei este homem, só, mudo. Perguntei se ali vivia, apontou para longe em direcção à cidade, do outro lado do rio. Enquanto os velhos barcos de pesca por ali estiverem ancorados, regressará todos os dias como guardião da praia. Depois disso continuará na minha memória, ali sentado, de olhos fixos nas amarras que os seguram e que só as águas podem levar.

DV